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Legalidade e legitimidade da Resoluçao 24 (Anvisa)- Publicidade de alimentos

sábado, 14 de agosto de 2010



Fonte: CFN  através de DIREITO E JUSTIÇA
acesso em 14/08/2010
Legalidade e legitimidade da Resoluçao 24 (Anvisa)
Veículo: CORREIO BRAZILIENSE - DF
Editoria: DIREITO E JUSTIÇA
Leonardo Roscoe Bessa é promotor de justiça, professor universitário, mestre em Direito Público (UnB), doutor em Direito Civil (UERJ) 

As crianças brasileiras, como apontam recentes estudos, estão ingerindo mais calorias do que o organismo necessita. O Brasil ultrapassou os Estados Unidos em termos de OBESIDADE infantil. Nada menos de 22% das crianças entre 2 e 5 anos apresentam sobrepeso. O controle sobre o que se come só é possível com  informações claras e adequadas sobre os ALIMENTOS. Em 2005, a OMS (Organização Mundial da Saúde) destaca que a comercialização de ALIMENTOS não saudáveis à população infantil é fator que contribui decisivamente para o aumento de níveis de OBESIDADE na fase adulta .Recentemente, no dia 15 de junho, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) editou a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) nº 24/2010, por meio da qual, seguindo a preocupação de vários países (Canadá, Suécia, Inglaterra), estabelece critérios e exigências informativas para oferta e publicidade de ALIMENTOS considerados com quantidades elevadas de açúcar, de gordura saturada, de GORDURA TRANS, de sódio e de bebidas com baixo teor nutricional. A resolução confere especial atenção às publicidades dirigidas às crianças, com o objetivo de coibir "práticas excessivas que levem o público infantil a padrões de consumo incompatíveis com a saúde e que violem seu direito à ALIMENTAÇÃO adequada" (art. 2º).
    Todavia, noticia-se que a Advocacia Geral da União, dias após a edição da referida resolução, encaminhou recomendação à Anvisa para suspender o ato, sob o argumento de que há necessidade de lei específica, aprovada pelo Congresso Nacional, para regulamentar o tema.
Tal recomendação, além de contrariar os mais legítimos interesses da sociedade, carece de fundamento jurídico. A defesa do consumidor pelo Estado se justifica pela sua fragilidade no mercado de consumo. Nem mesmo os economistas continuam a afirmar que o consumidor é o 'rei do mercado', significando que todo o ciclo de fabricação e produção de produtos deveria ter o foco nas necessidades e desejos reais do consumidor. Nas últimas décadas, o que se observa é um continuo aumento da vulnerabilidade do consumidor nas mais diversas relações estabelecidas com os empresários. Essa fragilidade do consumidor é facilmente percebida, seja no momento da contratação, quando o adquirente do produto simplesmente adere
a instrumento já elaborado pelo fornecedor (contrato de adesão), seja quando o consumidor é seduzido ou mal informado pelas publicidades de produtos ou serviços. As publicidades, a cada dia, informam menos e, em proporção inversa, se utilizam de métodos sofisticados de marketing, o que resulta em alto potencial de indução a erro do destinatário da mensagem e, até mesmo, na criação da necessidade e desejo de compra de bens e serviços supérfluos ou com pouca utilidade real. A vulnerabilidade do consumidor evidencia-se em face das técnicas atuais dos publicitários. Informar sobre as características do produto e do serviço não é, há muito tempo, o intuito das campanhas publicitárias. A publicidade deixou para um plano secundário a informação sobre as características do produto ou serviço. O objetivo é criar desejos, seduzir, convencer o
consumidor de que, sem o último modelo do aparelho celular, ele não será mais o mesmo. Estamos na era do neuromarketing, de pesquisas que rastream o cérebro humano, por meio de Ressonância Magnética Funcional, para estudar as reações do consumidor diante de imagens, sons e cheiros, de modo a seduzi-lo a
comprar, adquirir mais e mais produtos. Martin Linstrom, um dos grandes expoentes do neuromarketing, resume que se trata simplesmente do casamento da ciência com o marketing. De acordo com o autor, é a chave para compreender a "lógica de consumo", ou seja, "os pensamentos, sentimentos e desejos subconsicentes que impulsionam as decisões de compra que tomamos em todos os dias de nossas vidas" (A lógica do consumo, p. 13). Fica impossível, nesse contexto, falar em soberania do consumidor, "rei do mercado", ou qualquer outra expressão que denote força do consumidor. Embora a fragilidade do consumidor possa ser percebida em todas as fases de aproximação com o produto, não há dúvida de que a publicidade é o ponto mais sensível. Daí a especial importância que as leis brasileiras, particularmente o Código de Defesa do Consumidor, conferem à oferta e publicidade de produtos e serviços. Além do princípio da boa-fé objetiva, que exige conduta leal e transparente do fornecedor, diversos dispositivos da Lei 8.078/90 estabelecem o dever de informar de modo claro e adequado sobre todas as características do produto, principalmente sobre os riscos que apresentam à saúde do consumidor (art. 6º, I e II, art.8º, parágrafo único, art. 9º, art. 31, art. 37). A questão da informação sobre riscos de produtos, aí incluídos os ALIMENTOS, é levada tão a sério pelo Código de Defesa do Consumidor que a lei considera "produto defeituoso" aquele que não é acompanhado de informações adequadas (art. 12), ensejando a responsabilidade civil do fabricante. A Resolução nº 24 da Anvisa, ao explicitar e detalhar as informações que devem acompanhar a comercialização de ALIMENTOS, visando à proteção da saúde do consumidor, ao contrário do que se alega, não inova no mundo jurídico, não estabelece novas obrigações para os fornecedores: o dever de informar, reitere-se, foi instituído pelo Código de Defesa do Consumidor, lei aprovada pelo Congresso Nacional. Não tem sentido, portanto, falar em ofensa ao princípio constitucional da legalidade.

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