Teste do IDEC sobre agrotóxicos
In Controle de Qualidade de Alimentos, In informativo, In nutrição, In Rotulagem de Alimentos, In Você Sabia?sexta-feira, 28 de dezembro de 2012
Fonte : IDEC acesso em 28/12/12 - Revista nº170 - Outubro 2012
Teste realizado pelo Idec com 53 alimentos industrializados detecta resíduo de agrotóxico não registrado no Brasil em uma das amostras. Além disso, foi identificada uma série de irregularidades no rótulo dos produtos
Cerca de 30% dos alimentos consumidos diariamente pelos brasileiros estão irregulares em relação à presença de agrotóxicos: ou têm resíduos acima do limite permitido ou foram produzidos com venenos não autorizados. Esses dados são da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que realiza anualmente o Programa de Análise de Resíduos Agrotóxicos (PARA). Ano após ano, os resultados são alarmantes: já houve casos em que mais de 90% das amostras analisadas foram reprovadas, como o pimentão, no PARA 2010. O programa da Anvisa, contudo, só avalia os alimentos in natura. A situação dos produtos industrializados, feitos à base de frutas e outros vegetais, era desconhecida.
Para saber se os resíduos de agrotóxicos persistem nos alimentos mesmo depois de processados, o Idec enviou para um laboratório 53 produtos semi ou pouco processados (sucos, geleias, caldas e conservas) à base de morango, uva, abacaxi e pepino (veja no quadro da página 23 a lista com todos os produtos e marcas avaliadas). Embora outros alimentos tenham apresentado resultados piores no PARA que alguns dos envolvidos na pesquisa, como o já citado pimentão (91,8% de amostras insatisfatórias), além da alface (54,2%) e da cenoura (49,6%), não foram encontrados produtos industrializados elaborados a partir desses vegetais.
No teste realizado pelo Idec, somente uma amostra apresentou resultado insatisfatório: o pepino em conserva da marca Luca. Apesar de pontual, o problema é gravíssimo: foi detectado no produto a substância parationa-etílica (0,07 mg/kg), que não é sequer registrada no Brasil – ou seja, não pode ser utilizada em nenhuma cultura, seja ela alimentícia ou não. "A parationa-etílica é um inseticida e acaricida de alta toxicidade. Atualmente, seu uso é proibido ou restrito em diversos países e há discussão para proibição total em culturas alimentares", informa Murilo Diversi, biólogo, consultor responsável pela pesquisa. Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a substância em questão não poderia nem entrar no país. "O contrabando [de agrotóxicos] ocorre mais frequentemente com produtos de alto valor, como os utilizados em culturas de trigo, soja etc., mas não descarto que seja esse o caso", afirma Luis Eduardo Rangel, coordenador geral de agrotóxicos do Mapa.
A geleia de morango da marca Vega também apresentou resíduo de agrotóxico, mas ele é autorizado e a quantidade estava dentro do limite legal. Embora pouco presentes em alimentos processados, os resíduos podem estar na matéria-prima desses produtos, como têm apontado os monitoramentos do governo federal. "Infelizmente, o PARA não identifica os produtores, e o monitoramento do estado de São Paulo, o Programa Paulista de Análise Fiscal, que já era limitado na investigação de pesticidas, não publica novo relatório desde 2009. Há, portanto, uma lacuna grave na fiscalização, sobretudo se pensarmos que as pessoas continuam a consumir produtos sem saber o que eles trazem", afirma Carlos Thadeu de Oliveira, gerente técnico do Idec. Para Fernando Carneiro, chefe do departamento de saúde coletiva da Universidade de Brasília (UnB), membro do grupo de trabalho Saúde e Ambiente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e um dos articuladores do dossiê sobre agrotóxicos recentemente lançado pela entidade, o baixo número de irregularidades verificado pelo Idec não surpreende. "Quando um alimento sofre processamento, vários resíduos se diluem", explica o especialista. Assim, apesar dos resultados do teste, não dá para afastar a presença de agrotóxicos em alimentos industrializados. "Faltam estudos sobre esse assunto e pouco se sabe sobre as substâncias resultantes da degradação das moléculas de agrotóxicos, que podem ser tão ou mais perigosas para a saúde humana", pondera Diversi.
COMO FOI FEITO O TESTE
Entre maio e julho, o Idec enviou para análise em laboratório 53 amostras de alimentos semiprocessados ou pouco processados (sucos integrais, geleias, caldas e conservas) à base de morango, uva, abacaxi e pepino. O objetivo era verificar a presença de resíduos agrotóxicos nesses produtos industrializados, uma vez que o PARA, da Anvisa, avalia só alimentos in natura. A pesquisa observou também se os rótulos dos produtos estão de acordo com a legislação.
RASTRO DE CONTAMINAÇÃO
Para Carneiro, mesmo que um alimento (in natura ou industrializado) não ofereça risco para o consumidor, é importante levar em conta a sua cadeia de produção. "O uso de agrotóxicos deixa um rastro de intoxicação em trabalhadores que lidam com o veneno e de contaminação dos recursos naturais. Considerar apenas os riscos no final da cadeia é reducionista", diz. Conforme dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico Farmacológicas (Sinitox), da Fundação Oswaldo Cruz, os agrotóxicos são a segunda principal causa de intoxicações no país – atrás apenas de medicamentos – com 4.789 casos registrados em 2010 (boa parte deles, provavelmente, são de trabalhadores rurais).
Muito além dos casos registrados pelo Sinitox, de acordo com Carneiro, o Brasil vive uma situação de intoxicação generalizada. "O dossiê produzido pela Abrasco relata estudos que encontraram resíduos de agrotóxicos no leite materno e até mesmo na água da chuva", destaca. Os maiores afetados são os moradores de regiões no entorno de lavouras. "Os índices de câncer são maiores na população do campo do que na cidade", afirma o especialista. Além do impacto na saúde pública, há aquele aos cofres públicos. Carneiro cita um estudo recente do economista do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) Wagner Soares, que concluiu que, para cada US$ 1 pago por agrotóxicos, US$ 1,28 podem ser gastos pelo Sistema Público de Saúde no futuro com internações por intoxicação aguda. Para o especialista da Abrasco, esse cenário é resultado do investimento do governo brasileiro num modelo de produção que prioriza os lucros de grandes empresas. "O Estado brasileiro tem sido forte para apoiar o agronegócio e fraco para monitorar e vigiar a saúde da população. Para isso, não tem recurso, mas para apoiar o agronegócio, tem", dispara.
Idec adere à campanha
Em maio deste ano, o Idec aderiu formalmente à Campanha Permanente Contra Agrotóxicos e pela Vida. A ação tem como objetivo alertar a população sobre os riscos que os agrotóxicos representam à saúde e, a partir disso, apresentar medidas para impedir seu uso no país. A campanha visa também a incentivar agricultores a adotarem a agroecologia para produzir alimentos saudáveis.
= A campanha é promovida pela Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), pelo Instituto Kairós e pelo Inca (Instituto Nacional de Câncer), entre outras instituições.
Sem controle
O Brasil parece viver um total descontrole do uso de agrotóxicos: somos os maiores consumidores mundiais desses venenos; muitas das substâncias mais utilizadas aqui já foram banidas em vários países; e um terço do que comemos está contaminado por agrotóxicos indevidos ou com resíduos acima do limite aceitável. Para saber qual a posição do governo sobre esse cenário e o que tem sido feito para tirar o país dele, entrevistamos Luiz Claudio Meirelles, gerente geral de toxicologia da Anvisa.
Há três anos consecutivos, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. A Anvisa se preocupa com isso?
Sim, pois essa substância tóxica exige das três esferas de governo uma série de medidas de controle, mas há dificuldade de implementação. Por isso, não autorizamos moléculas muito nocivas.
Quais são as dificuldades para o controle do uso de agrotóxicos?
Há uma série de deficiências. Os órgãos responsáveis por fiscalizar o uso — Anvisa, Mapa e Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis] — não têm infraestrutura para isso; os estudos epidemiológicos sobre os danos crônicos dos agrotóxicos são escassos; a abrangência do PARA está abaixo do que deveria; os programas de monitoramento de contaminação da água potável e do solo são restritos; e faltam profissionais capacitados no sistema de saúde para atender os milhares de casos de intoxicações.
Estudos apontam que, dos 50 agrotóxicos mais utilizados nas lavouras do país, 24 são proibidos nos Estados Unidos, no Canadá e na União Europeia. Por que o Brasil é mais tolerante com essas substâncias?
Pela lei brasileira, nós temos que reavaliar um agrotóxico antes de banir ou restringir o seu uso. Tudo precisa ser fundamentado, não podemos proibir só porque outros países proibiram. Em 2008, a Anvisa colocou em reavaliação 14 substâncias [todas já proibidas em outros países]. Mas aí veio uma liminar da associação das empresas e nos impediu de continuar o estudo por um ano. Essa judicialização retarda, porque temos que nos dividir entre reavaliação e manifestação na Justiça.
O PARA tem identificado irregularidades sistematicamente, ano após ano. O que tem sido feito para coibi-las?
Até 2011 [a divulgação dessa versão do PARA está prevista para este mês] o programa fez uma análise apenas de referência, que não envolvia punição. A partir deste ano, começamos a chamada "análise fiscal". Dessa forma, o local onde foi coletada a amostra vai ser responsabilizado pelos resultados — responsabilidade esta que pode ser compartilhada com quem a forneceu. Sabemos que isso deve desencadear judicialização, pois são questões complicadas. Mas entendemos que esse é um processo importante para melhorar a qualidade dos alimentos comercializados no país.
Rótulos com problemas
OIdec aproveitou os alimentos para fazer uma segunda pesquisa: a avaliação dos rótulos. Nessa parte, um número significativo de produtos se saiu mal. Das 53 amostras, 18 (34%) apresentam alguma irregularidade. Dessas, dez são marcas de geleia que utilizam a expressão "extra", em desacordo com a atual legislação para a rotulagem desse produto. O termo era autorizado para designar o uso de mais fruta e menos açúcar, mas foi desautorizado pela RDC no 259/2002
da Anvisa. Três dessas dez marcas ainda cometem uma segunda falha: declaram a presença de acidulante (substância que tem a função de intensificar o gosto azedo em alimentos e bebidas), mas não informam qual. Mas, mais grave, foram os quatro produtos que declaram incorretamente não conter glúten, enquanto consta da lista de ingredientes a utilização de fibra de trigo, fonte dessa proteína.
A omissão pode trazer riscos aos portadores de doença celíaca, que têm intolerância ao glúten. A legislação obriga o alerta sobre a presença ou ausência de glúten, porque a sua ingestão por celíacos, mesmo que em quantidade mínima, pode desencadear atrofia das vilosidades intestinais, causando diarreia persistente, fadiga, dentre outros sintomas.
Outro problema é o uso de expressões como "100% natural" e "não contém conservantes", verificadas em dois produtos. Embora não sejam autorizadas pela Anvisa e possam ser consideradas enganosas do ponto de vista do Código de Defesa do Consumidor, essas frases são frequentes nas embalagens de alimentos industrializados. Questionada sobre medidas para coibir essa prática, a Anvisa respondeu à reportagem da Revista do Idec que a fiscalização de rotulagem é de responsabilidade dos órgãos de vigilância sanitária municipais e estaduais, e também de órgãos de defesa do consumidor, como os Procons.
Direito de resposta
O Idec enviou o resultado do teste e da análise dos rótulos a todas as empresas fabricantes dos alimentos avaliados. Os dados também foram enviados à Anvisa, ao Mapa, à Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor (Senacon) e ao Procon-SP. Com exceção do Procon-SP, que pediu mais informações sobre a pesquisa, nenhum órgão se manifestou até o fechamento desta edição. Confira as respostas das empresas:
- Adega Casa de Madeira (marca Casa de Madeira): disse que já tomou as providências para sanar o equívoco no rótulo (uso da expressão "extra").
-Carrefour e Fruitland (Geleia Carrefour e Geleia dos Monges): afirmaram que as geleias são fabricadas com fibras de trigo em teor de glúten abaixo do estabelecido como seguro pelo Codex Alimentarius [recomendações de um grupo de especialistas da Organização Mundial da Saúde], com menos de 20 partes por milhão da proteína. Mas a legislação brasileira não faz referência a limite seguro que isente o alerta sobre a presença de glúten.
-Cepêra (marcas Cepêra Senninha e Cepêra): apenas confirmou o recebimento da notificação do Idec.
-Frutos da Terra (marca Vega): informou que já retirou a expressão "extra" dos novos rótulos das geleias avaliadas.
-Grupo Pão de Açúcar e Predilecta Alimentos Ltda (responsáveis pela distribuição e fabricação, respectivamente, da geleia da marca Qualitá): discordaram que o rótulo esteja irregular por informar que o produto não contém conservantes, mas utilizar ácido cítrico.
- Indústria de Conservas Luca (marca Luca): disse que iniciou um processo de recall do lote do pepino em conserva analisado pelo Idec [no qual foi identificado o agrotóxico proibido no país] junto aos estabelecimentos comerciais. A resposta, contudo, foi enviada apenas por e-mail, sem detalhamento sobre prazo, quantidades do produto a serem recolhidas e locais em que foi distribuído.
-Qobba Indústria de Alimentos Ltda (marca Obba): garantiu que o problema na rotulagem (não informação sobre a forma de conservação) foi corrigido nas embalagens fabricadas a partir de 22 de maio de 2012.
-Refricon (marca Vale Fértil): agradeceu as informações enviadas pelo Idec.
-Ritter Alimentos S.A (marca Ritter): adiantou que já está providenciando as alterações nos rótulos dos produtos avaliados.
-Tozzi Alimentos (abacaxi em calda da marca Carrefour): elogiou a pesquisa.
-Vinícola Mena-Kaho (marca Mena Kaho): questionou a alegação de que o rótulo esteja irregular por usar a expressão "100% natural".
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