1. Introdução
A fenilcetonúria é um erro inato no metabolismo de herança autossômica recessiva, que resulta da deficiência da enzima hepática fenilalanina hidroxilase. Esta enzima catalisa a conversão da fenilalanina em tirosina, que tem papel importante na produção dos neurotransmissores dopamina e noradrenalina. A deficiência enzimática causa aumento de fenilalanina (FAL) no sangue e tecidos, levando a um quadro clínico específico. Este quadro caracteriza-se por atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, hiperatividade, convulsões, alterações cutâneas, tais como eczema e distúrbios da pigmentação, comportamento agressivo ou tipo autista, hipotonicidade muscular, tremores, microcefalia, descalcificação de ossos longos, retardo de crescimento, odor característico na urina e suor.
O diagnóstico precoce é realizado por triagem neonatal, “teste do pezinho”, que é obrigatório em todo território nacional e oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN). É recomendado que o sangue seja colhido após 48 horas do nascimento, para garantir que o recém nascido tenha sido alimentado, evitando assim resultados falso-negativos.
As hiperfenilalaninemias são definidas por níveis plasmáticos de fenilalanina acima de 4mg/dl de sangue. Elas podem ser classificadas em:
Fenilcetonúria clássica: níveis plasmáticos de fenilalanina superiores a 20mg/dl e atividade enzimática residual menor que 1%.
Fenilcetonúria leve: níveis plasmáticos de fenilalanina entre 10 e 20 mg/dl e atividade enzimática residual de 1 a 3%.
Hiperfenilalaninemia: níveis de fenilalanina entre 4 e 10mg/dl e atividade residual maior que 5%.
Deficiência de Tetrahidrobiopterina (BH4): determinada pela deficiência do co-fator BH4 necessário para a ativação da fenilalanina hidroxilase.
A fenilcetonúria clássica tem uma incidência internacional média de um caso positivo para cada onze mil nascidos vivos triados (1: 11.000). No Brasil tem sido constatada uma incidência ao redor de um caso positivo para vinte e dois mil nascidos vivos triados (1: 22.000)
As meninas com fenilcetonúria ou hiperfenilalaninemia, devem receber uma atenção especial, pois na gestação, valores de FAL aumentados, acima de 4mg/dl, estão associados a anomalias no feto como: baixo peso ao nascimento, microcefalia, retardo mental, retardo de crescimento pós-natal e cardiopatia congênita de complexidade variável entre outras. Assim é recomendado que estas pacientes mantenham níveis de fenilalanina abaixo de 4 mg/dl, 3 meses antes da concepção, bem como durante toda a gestação.
2. Tratamento
O tratamento consiste em uma dieta que ofereça alimentos com baixo teor em fenilalanina, porém esta deve estar em quantidade suficiente, de forma a evitar uma síndrome carencial, por se tratar de um aminoácido essencial. Retira-se da dieta alimentos ricos em proteína de origem vegetal e animal. Frutas, hortaliças e outros alimentos com baixo teor de proteína são mantidos e oferecidos quantitativamente de acordo com a tolerância individual.
A recomendação protéica não pode ser atingida com alimentos convencionais sem que haja uma ingestão excessiva de fenilalanina.
A dieta deve ser suplementada, com produtos especiais “fórmulas para dietas com restrição de fenilalanina”, que consistem em uma mistura de aminoácidos isentos de fenilalanina, utilizados para suprir aproximadamente 75% da proteína da dieta, sendo a principal fonte de aminoácidos. A fórmula deve suprir a recomendação de tirosina em 100 a 120 mg/kg/dia e o total de aminoácidos deve ser no mínimo de 3 g/kg/dia em crianças menores de 2 anos e deve se manter em 2 g/kg/dia em crianças acima de dois anos.
A recomendação de proteína é maior quando os aminoácidos livres, presentes nas fórmulas, são a principal fonte protéica. Desta forma na dieta para fenilcetonúricos a recomendação protéica excede as IDR (Ingestão Diária Recomendada). Deficiência de proteína leva a déficit de crescimento em crianças e perda de peso em adultos, osteopenia, diminuição na concentração de pré-albumina, perda de cabelo, diminuição da tolerância de fenilalanina.
As “fórmulas para dietas com restrição de fenilalanina”, substitutas de proteínas, podem ter diferentes composições: 1) fórmulas de aminoácidos isentas de fenilalanina, enriquecidas com vitaminas e minerais; 2) fórmulas de aminoácidos isentas de fenilalanina, mais carboidrato, gordura, enriquecida de vitaminas e minerais; 3) tabletes ou cápsulas de aminoácidos sem carboidrato, vitaminas e minerais; 4) barra de aminoácidos; e outros. As fórmulas são divididas e utilizadas de acordo com a faixa etária, sendo importante utilizar o produto que melhor atenda as necessidades do paciente.
As “fórmulas para dietas com restrição de fenilalanina” com mistura de aminoácidos enriquecidas com carboidratos, gorduras, vitaminas e minerais são normalmente utilizadas no início do tratamento associadas a fórmulas infantis, ou leite materno que fornecem as necessidades mínimas toleradas de FAL ao paciente. O bebê com fenilcetonúria pode ser amamentado sob rigorosa orientação de nutricionista e acompanhamento médico. Existem vários métodos para oferecer leite materno à criança. A “fórmula para dietas com restrição de fenilalanina” deve ser oferecida em pequenas quantidades durante o dia, para que não ocorra maior oxidação e perda de nitrogênio pela urina, alterações rápidas nos níveis séricos de fenilalanina, até mesmo sintomas gastrointestinais, como vômito e diarréia relatados em crianças que tomam a fórmula 1 ou 2 vezes ao dia.
A recomendação de FAL é individualizada, variando de paciente para paciente. Depende da atividade enzimática, idade, velocidade de crescimento e estado de saúde. A recomendação varia de acordo com a faixa etária, sendo maior nos primeiros meses de vida (20 a 50 mg/kg/dia), declinando posteriormente com a diminuição da velocidade de crescimento. Nos primeiros seis meses podem ser necessários ajustes semanais baseados no crescimento, desenvolvimento e níveis plasmáticos de fenilalanina. A deficiência de fenilalanina pode levar a algumas conseqüências como deficiência de crescimento em crianças, perda de peso em adultos, retardo mental a longo prazo, diminuição ou elevação dos níveis plasmáticos de FAL. Dependendo do estágio da deficiência de FAL: queda de cabelo, alterações nos precursores de células vermelhas com anemia, hipoproteinemia com aminoacidúria generalizada e redução dos níveis plasmáticos de pré albumina.
Os níveis séricos de FAL devem ser mantidos o mais próximo do nível considerado normal de até 4mg/dl, porém existem diferentes recomendações na literatura. Alguns autores sugerem níveis de até 6 mg/dl na infância e início da adolescência e após, 10mg/dl até a vida adulta. O tratamento deve ser mantido por toda a vida.
A dieta ideal para fenilcetonúricos deve ser nutricionalmente completa, de fácil preparo, de agradável palatabilidade, adaptada ao estilo de vida de cada paciente, possibilitando assim, manter níveis de FAL sanguíneos aceitáveis e proporcionar crescimento e desenvolvimento dentro da normalidade.
3. Programa Nacional de Triagem Neonatal
O Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) foi uma iniciativa do Ministério da Saúde, com o objetivo de implementar e regulamentar a Triagem Neonatal no Brasil. A Portaria GM/MS nº 822, de 06 de junho de 2001, desencadeou este processo transformando o exame de Triagem Neonatal (TN) em um PROGRAMA com destaque para todas as etapas, desde a coleta da amostra, tratamento e seguimento dos pacientes por equipe multidisciplinar. O PNTN deu uma nova perspectiva para a TN no sistema público de saúde:
o Reforçou a triagem obrigatória para Fenilcetonúria (PKU) e Hipotiroidismo Congênito (HC), e incluiu a Triagem para Doenças Falciformes (DF) / outras Hemoglobinopatias e para Fibrose Cística (FC);
o Credenciou unidades de gerenciamento e assistência em cada estado, os Serviços de Referência em Triagem Neonatal (SRTN).
o Disponibilizou os medicamentos essenciais ao tratamento dos pacientes detectados no programa, incluindo a fórmula de aminoácidos para fenilcetonúricos;
o Disponibilizou dados oficiais importantes podendo ser considerado um programa de saúde pública de sucesso. Em sete anos o PNTN realizou triagem em mais de 20 milhões de recém nascidos nas 27 Unidades da Federação e nos 34 SRTNs, alcançando uma taxa de cobertura de cerca de 80% dos nascidos vivos brasileiros.
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